quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

sorriso

Tinha o sorriso mais calmo e transparente que uma mulher podia ter. Ninguém era indiferente ao gesticular da sua boca, dócil e infantil. Antes de sorrir, fazia sempre um biquinho que cativava quem a observava. Não que fosse perfeita. Era apenas linda, com um recorte de lábios magnífico. Os dentes brancos sobressaíam sempre no batom que colocava ao espelho antes de sair de casa. Vê-la na sua manifestação de alegria, era como contemplar o nascer do sol. Contagiante! Talvez mágico. Poder olhar aquele momento, e desfrutá-lo. Que apesar de ter tudo de comum com toda a gente, toda a gente sorri, era visto de um diferente prisma, apenas por amá-la. Agora, passado apenas um dia da sua morte, o marido olhava a eternidade do seu sorriso nas imensas fotografias espalhadas pela casa. Era imortal, aquele rir, apenas porque era o que fazia de melhor, por ser tão sincero. O amor fervilhou quando a viu sorrir a primeira vez. E, agora, depois de a ver ser coberta de terra, continuava a lembrar aquele sorrir, digno de um anjo. A sua paixão era algo que não dava para descrever. A ligação pertinente e feliz era recordada com orgulho. O primeiro amor, que se transformou numa paixão diária, e aproveitada, até aquele maldito tumor aparecer. Nada a fazia deixar de sorrir. Era com vaidade que observava todos aqueles momentos de felicidade da mulher, sabendo que poderiam ser os últimos. Mas nunca lho dissera. Limitara-se a viver como antes de tudo. Tinha uma vontade cega de imortalizar todas as oportunidades com ela, sabendo do negro futuro. Apesar de saber que, no filme da vida, não há o botão “pause”. Na sua cabeça arrumava as ideias, bem definidas. Sempre que podia, filmava ou tirava fotografias. Tudo o que pudesse marcar a sua vida com ela, era registado. Mas, agora, depois do funeral, o que tudo isso lhe trazia? Mágoa? Impotência de não comandar a vida de quem ama? Como conseguiria continuar a ser feliz, sem aquele amor? Sem aquele sorriso, que afastava tudo o que de mau os envolvia? Os momentos vivem-se na altura. Não há nada, recordação alguma, que tenha o poder de nos transportar para lá, e fazer sentir tudo o que se passou ali. Nem as alegrias ou tristezas, os cheiros, as cores, as pessoas que lá estavam. Nada conseguiria levá-lo dali para a eternidade com ela, para a felicidade.

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